Por: Fernanda Ricci
Nos últimos meses têm pipocado nas redes sociais vídeos e postagens de profissionais do direito afirmando que, após o fim da estabilidade gestante, a funcionária contratada por experiência poderia ser dispensada sem aviso prévio e sem a multa de 40% do FGTS.
De fato, existem decisões pontuais que tentam sustentar esse entendimento, mas são casos isolados e sem força vinculante. O objetivo da legislação trabalhista é proteger a maternidade e garantir a estabilidade da gestante, inclusive em contratos de experiência.
A interpretação majoritária, respaldada pelo TST, é clara: confirmada a gravidez, o contrato de experiência passa a ser considerado de prazo indeterminado, com todos os direitos correspondentes.
Em outras palavras: essa ideia não passa de fake news trabalhista. Quer entender por quê? Vamos por partes.
Contrato de experiência: o que diz a CLT
O contrato de experiência é um tipo de contrato a termo, usado para avaliar a adaptação do empregado e do empregador. É um período de teste, mas não é um contrato “sem lei”.
Segundo o artigo 445, parágrafo único, da CLT:
• O contrato pode durar até 90 dias;
• Só é permitida uma única prorrogação;
•Não há prazo mínimo.
Na prática, é possível combinar períodos diferentes (30 + 60 dias, 45 + 45 dias, 90 dias diretos etc.), desde que não se ultrapasse o limite de 90 dias.
Atenção: a prorrogação só é válida se for assinada pelas partes em documento específico. Não basta constar apenas no contrato inicial. Se o prazo for descumprido, o contrato automaticamente se converte em vínculo por prazo indeterminado.
Estabilidade gestante: um direito que prevalece
A empregada gestante tem estabilidade desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (art. 10, II, “b” do ADCT; art. 392 da CLT; Súmula 244, III, do TST).
Esse direito alcança inclusive os contratos de experiência. O TST já pacificou a questão: a confirmação da gravidez durante o contrato de experiência faz com que o vínculo passe a vigorar por prazo indeterminado.
Ou seja: gestante em contrato de experiência também está protegida pela estabilidade. Não se trata de “benefício extra”, mas de uma garantia prevista na Constituição e na CLT para assegurar a maternidade e o emprego.
Exemplo prático: imagine uma funcionária contratada em contrato de experiência de 45 dias, prorrogado por mais 45. Durante o período, ela descobre estar grávida. Ainda que o contrato previsse término no 90º dia, o vínculo passa a ser tratado como de prazo indeterminado e, ao final da estabilidade, ela tem direito às verbas típicas da dispensa sem justa causa, aviso prévio, multa de 40% do FGTS e demais direitos.
Licença-maternidade congela o contrato de experiência?
A resposta é não.
É essencial diferenciar dois conceitos do direito do trabalho:
Suspensão do contrato – ocorre em situações como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (arts. 475 e 476 da CLT);
Interrupção do contrato – ocorre durante a licença-maternidade (art. 7º, XVIII, CF/88).
Na interrupção, a empregada continua recebendo salários e o tempo é contado como período de serviço.
Portanto, não existe previsão legal para “congelar” o contrato de experiência durante a licença-maternidade. O período segue fluindo normalmente e conta para o tempo de serviço da trabalhadora.
O fim da estabilidade: quais verbas são devidas?
Após o término da estabilidade, se o contrato de experiência já tiver ultrapassado os 90 dias, ele se transforma automaticamente em contrato por prazo indeterminado.
Nesse cenário, caso ocorra a dispensa, a empresa deve pagar:
• Aviso prévio;
• Multa de 40% sobre o saldo do FGTS;
• Demais verbas rescisórias aplicáveis (13º, férias proporcionais etc.).
A tese de que o contrato manteria natureza de experiência e dispensaria esses direitos não encontra amparo legal.
Por que isso importa? Porque muitas empresas acreditam que basta esperar terminar o prazo do contrato para não pagar verbas. No caso de gestantes, essa estratégia não funciona: confirmada a gravidez, o contrato se estabiliza e converte-se em prazo indeterminado, com todos os direitos.
Por que essa fake news insiste em circular?
Em redes sociais, conteúdos simplificados ganham tração. Postagens afirmando que “não precisa pagar aviso prévio” ou “não precisa pagar multa do FGTS” soam atraentes para empregadores. No entanto, a realidade jurídica é bem diferente.
Existem algumas decisões isoladas que tentam flexibilizar essa regra, mas elas não têm efeito vinculante nem alteram a jurisprudência predominante. O TST tem reiterado que a estabilidade gestante se aplica inclusive aos contratos de experiência.
Conclusão: mais uma fake news trabalhista desmentida
A ideia de que a gestante contratada por experiência pode ser dispensada sem aviso prévio e sem multa de 40% do FGTS após o fim da estabilidade é falsa.
O contrato de experiência tem prazo máximo de 90 dias;
Confirmada a gravidez, ele se converte em contrato por prazo indeterminado;
Nessa condição, a rescisão deve observar todas as garantias e verbas trabalhistas.
Resumo prático: se a trabalhadora engravidou durante o contrato de experiência, ela tem estabilidade até cinco meses após o parto e, ao final, se for dispensada, deve receber aviso prévio, multa de 40% do FGTS e demais verbas rescisórias.
Fica o alerta: informações simplificadas e sem fundamento jurídico, quando disseminadas nas redes sociais, podem induzir a erros graves, trazendo riscos tanto para empresas quanto para trabalhadoras. O caminho seguro é sempre buscar a legislação e a jurisprudência consolidada antes de tomar decisões.
Antes de tomar qualquer decisão trabalhista, consulte sempre a legislação e fontes jurídicas confiáveis. Quer mais conteúdos que desvendam os mitos do direito do trabalho? Assine nossa newsletter e acompanhe nossas atualizações no Canal do WhatsApp.