A conformação jurídica das relações entre escritórios de contabilidade e profissionais autônomos tem sido objeto de amplas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, especialmente diante das transformações no mercado de serviços técnicos especializados. Recentemente, uma proposta em tramitação na Câmara dos Deputados reacendeu o debate ao buscar instituir regras específicas para parcerias formais entre agentes do setor contábil.
O Projeto de Lei em análise visa disciplinar um modelo de cooperação contratual que permita a atuação conjunta entre escritórios e profissionais sem configurar sociedade ou vínculo de emprego. A proposta estabelece categorias jurídicas distintas para os partícipes da relação, define critérios contratuais obrigatórios e propõe ajustes relevantes na responsabilização pelas obrigações decorrentes da atividade.
Trata-se de iniciativa legislativa que, se aprovada, poderá representar um avanço na segurança jurídica dessas parcerias, atualmente marcadas por elevada margem de incerteza, tanto do ponto de vista tributário quanto trabalhista.
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Estrutura contratual proposta: inovação ou formalização de práticas já existentes?
A redação apresentada propõe o reconhecimento de três figuras jurídicas na parceria: um ente centralizador, responsável pela gestão operacional e financeira das atividades conjuntas, e os demais parceiros, que podem atuar como profissionais independentes ou como escritórios associados.
Essa configuração busca institucionalizar uma prática comum no setor: a agregação de forças técnicas sob um mesmo arranjo, em que diversos profissionais compartilham demandas, estrutura física ou tecnológica, mantendo-se juridicamente autônomos. O texto avança ao prever que, nesse modelo, a centralização de receitas e repasses ficará a cargo do escritório líder, incluindo a retenção e recolhimento dos tributos cabíveis à parte correspondente de cada parceiro.
Embora a sistemática não inove substancialmente nas formas de atuação já adotadas na prática, seu reconhecimento em norma legal poderá conferir legitimidade formal e reforçar os limites entre a independência profissional e a subordinação típica de vínculos empregatícios.
Regramento da responsabilidade e limites à solidariedade
Um dos pontos mais relevantes da proposta é o afastamento da responsabilidade solidária entre os integrantes da parceria. O texto caminha no sentido de que os parceiros, inclusive os profissionais autônomos, não respondem pelas obrigações civis, fiscais, trabalhistas ou previdenciárias do escritório centralizador.
Essa previsão busca preservar a autonomia das partes e evitar a extensão de obrigações que não decorrem diretamente da atuação individual de cada profissional. A solidariedade, segundo a proposta, estaria restrita às hipóteses previstas no Código Civil, não se aplicando, portanto, de forma automática aos partícipes da parceria.
Essa delimitação é crucial, sobretudo à luz das discussões sobre responsabilidade técnica em atividades reguladas, como é o caso da contabilidade. O afastamento de solidariedade indiscriminada pode proteger o profissional de eventuais repercussões jurídicas oriundas de condutas alheias à sua atuação direta, respeitando os princípios da legalidade e da pessoalidade das obrigações.
Exigências formais e salvaguardas contratuais
Outro ponto central do projeto está na exigência de elementos contratuais específicos. A redação estabelece que o instrumento deve conter disposições expressas sobre a partilha de receitas, o uso de meios materiais necessários ao trabalho e a delimitação do local de execução das atividades. Além disso, prevê a homologação sindical como requisito de validade do acordo.
Essa formalização visa conferir maior robustez documental à relação jurídica estabelecida e funciona como mecanismo de proteção contra a descaracterização do modelo de parceria. Ao mesmo tempo, ao condicionar a validade do contrato à homologação sindical, a proposta insere um agente externo de controle, reforçando o caráter excepcional da configuração.
O dispositivo que trata da ausência de contrato ou do desvio de função como elementos aptos a configurar vínculo empregatício atua como salvaguarda ao trabalhador, evitando o uso indevido do modelo para fins de dissimulação.

Reflexos tributários e possíveis impactos no planejamento societário
Sob a perspectiva tributária, o modelo traz repercussões significativas. A responsabilidade do escritório central pela retenção e recolhimento dos tributos implica ajustes na forma de apuração e nos fluxos de caixa internos. Além disso, a transparência na alocação das receitas e o fracionamento da base tributável podem demandar reestruturação contábil, especialmente quanto à escrituração das receitas por competência.
Também merece atenção o potencial impacto da proposta sobre a composição societária dos escritórios. Ao prever um modelo contratual que permite a atuação colaborativa sem alteração do quadro societário, o projeto pode favorecer estratégias de expansão e captação de talentos, reduzindo a complexidade jurídica que decorre da constituição de sociedades profissionais.
Por fim
A proposta legislativa em debate representa mais do que uma tentativa de regulamentar as parcerias entre profissionais contábeis. Trata-se de um esforço normativo que reflete as novas formas de organização do trabalho técnico especializado, buscando compatibilizar flexibilidade operacional com segurança jurídica.
Ao conferir balizas claras para a atuação conjunta de escritórios e profissionais, o texto contribui para mitigar o risco de passivos decorrentes de enquadramentos indevidos, tanto no campo trabalhista quanto tributário. No entanto, sua eficácia dependerá da precisão dos contratos, da atuação diligente das entidades sindicais e, sobretudo, da correta interpretação por parte da fiscalização.
A Econet seguirá atenta à tramitação do projeto e aos seus desdobramentos, oferecendo análises técnicas, atualizações legislativas e conteúdos especializados que auxiliem os profissionais contábeis na tomada de decisões seguras e em conformidade com a legislação. Quer ficar por dentro das nossas novidades, siga nosso canal do WhatsApp, e converse com um especialista!